quarta-feira, julho 25, 2007

Sonhos

Sonhei, que te passava as mãos no rosto num gesto de ternura intemporal. Os dedos ávidos de trajectos, os teus olhos de perguntar encontravam os meus, desenhando-lhes lentos compassos de espera, demoradamente lentos...
Devolvo o medo inquieto de que me saibas, como se fosse possível impedi-los de te beijar com a fúria de quem ama. O teu cheiro a entrar no meu corpo...A ternura a espraiar-se...
Os meus dedos a enrolarem-se nas palavras consentidas do teu silêncio, os meus lábios no desejo da comunhão do sentir, beijam-te baixinho, para que oiças a ternura límpida do meu aceitar.Solto-me de mim, para livre, me depositar na tua Alma e no teu Corpo.
No teu olhar a entrega da ternura...
No meu, a incerteza do amanhã...

segunda-feira, julho 02, 2007

Palavras na Areia





Ao quarto dia sem o ver, segui até ao terraço e encontrei em cima da mesa uma carta. Peguei cuidadosamente com um receio parvo de a rasgar sem querer, e li:

"Querida Concha:
No Mar existem muitas conchas. Umas bonitas e boas, e outras más e feias. Procurei as conchas boas, mas não as encontrei. Estavam partidas ou riscadas. Cortavam. Até que, um dia, a maré trouxe até mim uma concha. Colorida e transparente. Essa concha abriu-se e eu sentei-me lá dentro. Para sempre."

Li outra vez e mais outra até decorar todo o texto. Depois, sentei-me á mesa e tive vontade, pela primeira vez á muito tempo, de escrever um poema.
Fechei os olhos sob o sol generoso da tarde e escrevi mentalmente o que sentia naquele momento. Não já exactamente as palavras que acalentei no coração para responder aquela carta - a mais bonita que já recebi. Mas sei o que senti: medo. Um terrível medo terrível de não saber o que fazer com aquele sentimento grande, que se tornava maior do que eu. Medo de não estar á altura, de o desapontar. Medo de tudo não passar de um dos meus sonhos com coisas improváveis. E sobretudo, medo de o perder, embora tivesse agora a certeza do que aquele "Para sempre" significava.
Desci até á praia e consegui avista-lo atrás de um onda, a nadar com um peixe. Assim que me viu, acenou-me como que em chamamento. E eu chorei. Não sei se de alegria ou de pena de não ser mesmo essa concha transparente que ele pudesse transportar consigo nas fantásticas viagens que fazia diariamente por entre ondas, algas, e estrelas do mar.
Quando dei por mim estava á beira-mar. Descalcei os sapatos. A água fria
insistiu em acordar-me e eu não queria.
- Está quentinha! - disse o meu companheiro, saindo do mar e borrifando-me os cabelos com gotas salgadas.
- Está um gelo!
Riu-se.
- Senta-te aqui - pediu-me, puxando a dobra dos meus calções.
- Sabes... - prossegui eu.
- Encontrei um braço de lula gigante lá no fundo! - contou, eufórico, apontando a linha do horizonte.
- Eu queria dizer-te que...
- Deve ter havido uma luta com um tubarão.
- Credo! Há tubarões por aqui ?!
Gargalha estrondosa.
- Foi só para ver a tua cara! - e riu-se outra vez.
- Ouve, eu...
- Mas há raias gigantes. E lulas. E polvos de todos os tamanhos, lá no fundo, claro.
- Está bem, mas...
- Eu costumo encontrar alguns quando nado mais longe.
- Estou a ver. Agora o que queria dizer-te era...
- Corais é que não há. É pena.
Impacientei-me:
- Chiu! Importas-te de me deixar falar ?!
Riu-se descaradamente como que a desafiar-me.
- Estás zangada, é ?
- Por enquanto não, mas vou ficar se não me deixares falar! Detesto que me interrompam.
- Já sei tudo. - atalhou com o maior descaramento
- Sabes o quê, afinal, hein ?!
- Ora, que gostaste do meu poema e que até o sabes de cor.
Levantou-se para sacudir a areia dos calções. Eu fiquei boquiaberta, mas não me dei por vencida:
- Por acaso enganaste-te. Não era isso que ia dizer-te, embora seja verdade...
Com a ponta do pé atirou-me areia para o colo e voltou a enfrentar-me:
- Era isso que ias dizer, sim senhora. Eu sei.
- Então não vale a pena dizer-te o resto, pronto. E nesse caso, posso voltar para casa, não é ?
Pontapeou de novo a areia e disse descaradamente:
- Se quiseres ir-te embora, vai. Não me importo.
Irritou-me o que acabara de dizer e foi a minha vez de lhe atirar areia. Por falta de pontaria acertei-lhe em cheio nos olhos. Ele correu para o mar e eu fui atrás para lhe pedir desculpa. Como ele mergulhou, mergulhei também e fui apanha-lo um pouco antes da rebentação.
- Mostra os olhos! - pedi eu.
- Não faz mal...
- Desculpa. - disse eu baixo, tremendo de frio.
- Só se me disseres o que ias contar há bocado.
Olhei para trás, as ondas começavam a aumentar de tamanho e tive medo.
- Podemos conversar antes na praia ?
- Não! Aqui! - ordenou.
Mergulhei para ganhar coragem mas quando voltei á superfície já ele se tinha evaporado como de costume.
Senti então uma mão gelada no meu ombro.
- Ah ah! Apanhei-te!
Virei-me para ele. Os olhos azuis, cheios de agua e de sal, brilhavam como nunca e agora olhavam-me com a maior curiosidade.
- O que ia dizer-te, é que hoje compreendi...
- Que gostas muito mais de mim do que dantes. Eu também gosto mais de ti. Baixei a cabeça desolada.
- Porque é que nunca me deixas acabar as frases ?! Porquê ?!
- Porque não é preciso.
Viemos os dois a nadar até à praia. Depois deixamo-nos cair sobre a areia quente e seca. Em seguida, levantou-se bruscamente e deitou-se noutra posição, de cabeça em frente á minha, cabelos colados aos meus e murmurou.
- É tudo verdade.
- O quê ?

- Aquilo que eu escrevi.

Autor@: Mariana (a minha sobrinha, que eu amo, amo...amo!)