quarta-feira, maio 24, 2006

Há uns tempos atrás escrevi um texto, que publiquei no antigo blog, para uma pessoa que me foi muito importante. Ontem, ela deixou de fazer parte corpórea da minha vida, a morte, levou-a nos braços. Dela, ficarão sempre as lembranças doces, será sempre assim que a recordarei: A mulher mais linda, que cruzou a minha vida.
"Hoje acordei com o pensamento na Nizé! Vou falar-vos dela, para a partilhar um bocadinho….
Nizé entrou na minha vida, pelas mãos do João, tinha eu 13 anos. João era filho de Nizé e meu primeiro namorado. Quando João ma apresentou, Nizé franziu o sobrolho, olhou e disse-me “Eu queria conhecer a menina que arranca o João dos livros”, depois, rasgou um sorriso e acrescentou “gosto de conhecer, quem quer bem ao João!”. Nesse dia gostei simplesmente da Nizé! Sempre que ela saía para trabalhar e nos deixava sozinhos em casa, fazia questão de deixar bem claro que confiava em nós, e que se nós gostávamos um do outro, jamais faríamos coisas de que nos arrependêssemos. A confiança que ela tinha em nós nunca foi traída, mesmo porque era a primeira vez que alguém confiava em mim, e eu jamais a desiludiria.
Sempre que eu chegava perto da Nizé, dava-lhe um beijo, e enquanto a abraçava perguntava-lhe rindo :- “Nini, será que hoje, ainda gostas de mim?”, ela, quase sempre respondia, que eu era a Índia mais bonita que ela conhecia, e corria, logo de seguida, a fazer os bolos de coco, que faziam as minhas delicias.
Muitas vezes, enquanto o João estudava, eu e a Nizé conversávamos horas a fio. Eu, que desde pequena adorava ouvir histórias, ouvia, sorvia, e deixava-me embalar, pelo som que o mar tinha, nas palavras da Nizé. Falava-me de Luanda, dos seus, de tudo o que deixara para trás, mas falava muito na árvore do seu coração, o Embondeiro, foi pelos olhas dela, que conheci a grandeza do Embondeiro. Cantávamos e dançávamos, tendo sido ela a minha professora de Kizomba, a pessoa que descobriu que eu dançava muito bem, segundo ela fazia questão de dizer a toda a gente.
Nizé foi a negra mais linda que cruzou a minha vida, uma das mulheres mais bonitas e mais meigas e que conseguiu fazer, com que eu com apenas 13 anos, brilhasse todos os dias. Era como uma estrela para mim.
Certo dia de Junho, estando eu à beira de regressar definitivamente a Lisboa, Nizé disse-me que me queria falar. Eu larguei tudo e corri para o colo da Nizé. Estranhamente, os olhos dela não brilhavam como de costume e as rugas da testa estavam mais profundas, o sorriso não era tão grande, e à minha pergunta habitual, ela respondeu de forma diferente: -“ Gosto de ti, como de uma filha!”. Percebi imediatamente, que ela se queria despedir de mim, e o meu coração ficou pequeno…eu andava a adiar aquele momento à tanto tempo, e agora, a frontalidade da Nizé , deixara-me desarmada. Agora era tarde para ser forte, porque as lágrimas corriam copiosamente, e apenas me restava buscar consolo, no ombro da que tinha sido, a mulher mais criança, de que eu tinha memória. Mas Nizé nesse dia, decidira dar-me uma lição de vida, olhou-me nos olhos, pegou na minha mão, como que a pedir a minha atenção, e começou a falar para mim. Esta abordagem era nova, ela havia sempre falado para nós (eu e João), tinha falado dela, dos seus, mas nunca directamente para assuntos relacionados comigo, ela nunca havia falado para mim! Foi então que começou dizendo: “ Na vida, terás que aprender, que a beleza das coisas está em dar e receber! Não adianta dar como tu dás, se o que recebes em troca, é muito pouco. Se achas que eu não tenho razão, pensa comigo. O teu riso, encheu a minha casa, os teus gestos e o teu jeito, encheu o coração do João, a tua ternura, encheu o meu coração de mãe….que tiveste em troca? Muito pouco….merecias muito mais!
Sempre que deres farinha, filha, espera receber em troca pão ou bolo…
Sempre que deres sorrisos, tens que esperar receber em troca gargalhadas…
Sempre que deres amor, tens que receber, no mínimo, respeito.
Não há nada que faças, que não tenha outro gesto como retorno, como tal, cuida que os gestos que fazes, estão de acordo com o que o teu coração quer, porque só assim, ele vais estar preparado para receber o gesto de retorno.”
Muito mais nós falámos nesse dia, entre choros e gargalhadas, mas acabámos por brindar no fim do dia, com bolos de coco e sumo de laranja.
Nesse dia à noite, eu e João descemos à praia, o mar estava calmo, a ondulação esbatia-se mansamente no areal. Sentados à beira mar, olhámos o Mar em redor. João, abraçou-me, beijou-me na testa (segundo ele, era sinal de respeito), conversámos muito tempo, e acabou por me confessar, em tom de brincadeira, que por vezes, tinha a sensação que eu gostava mais da Nizé do que dele. Selei a conversa com um beijo profundo, um daqueles beijos que acontecem sempre à chegada e ás despedidas, um beijo intenso, que nos fez tremer a ambos. Nesse dia, pela primeira vez, falei ao João dos meus sentimentos, dos meus medos, dos meus desejos, ele, o meu querido João, ouviu-me e respeitou-me e sei que até hoje, me guardou no seu coração, em lugar especial. Nizé, ficou para sempre nas minhas memória, como sendo a pessoa que mais me fez crescer num dia…Nizé, foi sem duvida a Negra mais linda, que alguma vez conheci!!!!"

18 comentários:

Anónimo disse...

Minha amiga, já tinha tido a felicidade de ler este texto lindíssimo, sobre uma mulher que, pelo que dizes, deve ter sido uma mulher maravilhosa. Tive ocasião de dizer na altura que este texto me trouxe à memória uma outra mulher excepcional, também ela negra, que me apaparicou ainda em bébé e em criança de tenra idade. e da qual ainda hoje sinto saudades. Curvo-me respeitosamente perante a memória da Nizé e digo uma oração para que Deus lhe reserve junto de si, o lugar que ela merece, bem juntinho da minha Ana. Um beijinho manso, e hoje triste também. Solidarizo-me contigo na tua dor. Fica, no entanto, com a certeza de que a Nizé, lá do alto vai continuar a olhar para ti, a sorrir-te, aconselhar-te, e pedir a Deus por ti.

Anónimo disse...

É um texto lindo...triste, alegre,quente, sentido.

Gostei muito.


Spartacus-primeiro

Maria disse...

Bem... fiquei com o nó na garganta.
É-me particularmente dificil ler estas coisas, principalmente quando são tão sentidas, e conseguir conter as lágrimas.

Não consegui deixar cá nada logo que o li.

Mas eu sempre assim. A primeira a cair.

As pessoas emigradas em África ou emigrantes cá, sejam de cor ou não, têm uma forma de ser que nos apela sempre muito ao coração.

Ainda bem que passas-te pelo meu blog e me deste a oportunidade de vir conhecer o teu.

Não tive muito tempo para passar alem deste post e as notas de cabeçalho do blog, mas ao que tudo indica também passará a ser um dos meus locais de passagem.

Este post além de falar de uma experiência de vida, também mostra muito daquilo que tu és. E eu gosto de pessoas assim. Atrever-me-ia a dizer que com o coração nas mãos. Um pouco como eu!

Anónimo disse...

fico triste p saber q perdeste alguem assim tao importante :( ... fica a lembrança a saudade e o amor q sempre perdurara no teu coracao :) Beijo doce

Anónimo disse...

è comovente ler como descreves os momentos vividos com alguém que foi tão importante para ti. È ao mesmo tempo reconfortante perceber também aqui como se pode conseguir a imortalidade... tocar a vida de alguém dá-nos a capacidade de continuar presente para além da morte física. Nada pode ser mais importante do que fazer a diferença na vida de alguém.
Beijinhos ;)

Anónimo disse...

Este texto fez-me recordar ' o Princepezinho', a árvore, a rosa a raposa...

Anónimo disse...

' Como eu te keria encontrar mais uma vez
para te falara as coisas k não te falei...'

Anónimo disse...

Sinto muito pela tua perda. um beijo da Princesa :(

Anónimo disse...

Olá!Fico mto contente por ter conseguido mais uma amiga, mas mto triste por a minha 1ª visita se dar qdo perdeste alguém k te tocou tão profundamente. Apenas Lhe presto aqui tb uma homenagem pois uma mulher assim deve ter sido UMA VERDADEIRA SENHORA! Que Deus a guarde e lhe dê a paz que merece. A ti mha amiga te dê a coragem para continuares a lembrá-la com o carinho e a admiração que aqui demonstras e que a tua perda se torne num fardo cada vez mais leve há medida que o tempo passe se é k isso alguma vez será possível. Ela concerteza tb vai saber de qualquer forma k os teus pensamentos e o teu coração hão-de continuar sempre com ela e retribuir-te-á do céu com um sorriso e com a sua protecção. Fica o melhor k puderes amiga. Um gde bj Vou levar o teu link.

Anónimo disse...

Nós nunca perdemos as pessoas que nos sao tao queridas e que nos deixam marcas e memorias tao vivas.Nizé vive no teu coraçao...
REAL

Anónimo disse...

Espero que a saude seja muita e k no médico tenha corrido tudo bem.

Vanda disse...

temos coisas em comum :) e ainda bem :) às minhas duas filhas chamos-lhes o sol e a lua, assim elas são tão diferentes e tão importantes para mim!

esse coração grande tambem me não é estranho...mas sei que muitas vezes não interessa assim tanto o que recebemos, mas mais: a felicidade que vivemos ao dar!!

A vida não é equilibrada...não tem medidas certas para o dar e receber...mas vai-se lutando, vai-se vivendo e principalmente: amando!

Os que nós amamos, nunca partem...acredito que vivem nas memorias boas do coração...onde a vida é infinita e sem limites :)

adoro rir, dancar, estar com os meus amigos e com a minha tribo e fico feliz por te ter oferecido a Nazaré :)

Um beijo para ti, solidário nessa lágrima!

Van

Anónimo disse...

Passo por aqui para deixar o meu carinho e para te recordar que, de facto, os que partem nunca se vão efectivamente embora, vivem no nosso coração e nas milhentas recordações que povoam o nosso imaginario...
Cada vez que alguém se vai, peço à minha irmã que lhe dê as boas vindas, mesmo aqueles com quem nunca privei ou não tive o prazer de conhecer mas, sendo especiais para alguém que nos diz muito, serão igualmente especiais para nós...
Fazendo minhas as palavras do pinochio, curvo-me respeitosamente perante as tuas memórias de Nizé, seguramente em algum lugar ela velará por todos nós porque os que vão, serão aqueles que sempre lá estarão para nós...
Um beijo manso, de carinho, a gente vê-se por aí...

igara disse...

A todos os que aqui passaram, ao longo da semana, quero agradecer muito as palavras e o carinho. Na segunda feira, penso já estar recuperada ao ponto de continuar a publicar.

Beijos muitos, e tenham um bom fim de semana... :)

Anónimo disse...

Ao ler este teu post tão bonito e sentido, lembrei-me de uma frase de Fernando Pessoa "O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso, existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis."

Bom fim-de-semana

RB

PS. Vou linkar o teu blog no meu. Espero que não te importes

Anónimo disse...

Fiquei a pensar... a reflectir realmente em algumas coisas que aqui deixaste escritas. Um beijo imenso e um abraço abracinho do tamanho do mundo!

Anónimo disse...

Compreendo bem estes sentimentos, também perdi alguém muito querido recentemente, e que mais marcou a minha vida, que era o meu verdadeiro anjo da guarda,que tal como ela olha por mim a Nizé olharaá sempre por ti:)

Anónimo disse...

Iga!
Não podia passar sem te dizer que achei este texto Lindo (...uma ternura) bjinho! Brida